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GAZETA: Lembranças para o Centenário de Nascimento de meu pai (1) Minha mãe entre dedais, carretéis, bastidores, agulhas e linhas. Leia

São muitas as histórias a serem contadas sobre meu pai, nascido em 08 de maio de 1920, e durante todo o ano vamos lembrar e relembrar, uma delas é sobre o seu casamento com minha mãe, vejamos:

Minha mãe tem nome de princesa: Leopoldina, mas meu pai a chamava de “minha rainha”. E ela até os seus 92 anos de vida continuou sendo uma grande e vitoriosa “rainha”, mas a sua vida não foi tão fácil, mesmo antes de se casar trabalhava muito e era entre os 17 filhos de meu avô, uma das mais “prendadas”.

Aprendeu muito cedo a costurar e bordar, e talvez, de olho também nesta mulher “prendada”, além de sua beleza, foi um dos motivos que meu pai tenha se encantado por ela.

Tenho no meu álbum uma fotografia, que é uma relíquia, quando tinha dois anos de idade, vestindo uma bela roupa feita por ela, além de outra quando fiz a Primeira Comunhão.

Depois que noivou, em 1945, na Vila do Distrito de Engenheiro Avidos, viajou para a cidade São José da Lagoa Tapada para a casa de sua irmã Onélia, casada com Chico Coura, com o objetivo de “preparar o seu enxoval” e deste cunhado ganhou todos os tecidos. Ela mesma diz que ficou uma beleza.

O noivo tinha pressa em se casar e em menos de dois meses, depois de pronto o enxoval, no dia nove de setembro de 1945, na Capela de Nossa Senhora Aparecida, em Boqueirão de Piranhas, em cerimônia presidida por Monsenhor Abdon Pereira, se uniram Mãezinha e Arcanjo.

“Foi uma vida de muito trabalho, de luta árdua, Arcanjo viajava quase todos os dias a Cajazeiras e quase sempre para Campina Grande, para fazer compras e eu ficava tomando de conta da bodega”, dizia minha mãe em conversas íntimas.

Meus pais tinham uma vida muito simples, mas sempre com uma mesa farta, fruto do trabalho e moravam numa casa mais humilde ainda, ao ponto de sequer possuírem uma cama, fato que me leva a concluir que fui “concebido” em uma rede, que segundo ela era muito bonita e com belas varandas. Quando foi para dar a luz foi na cama da casa de meus avós maternos, Trajano e Benvinda.

O lugar mais sagrado de sua casa, onde todos os filhos a reverenciavam e pediam a benção, recebia os seus amigos e demais parentes era na sala, onde vivia armada a sua rede, que o médico a proibiu de usá-la, mas nunca cumpriu o recomendado.

Ela dizia que enquanto despachava os fregueses, me colocava em cima do balcão dentro de uma “cuia de oito” (uma caixa feita de madeira, para medir a quantidade de farinha e feijão, neste caso correspondia a oito litros) e eu recebia sempre o mimo de todos.

Mesmo com tantas tarefas nunca deixou de se ocupar com suas linhas, carretéis, agulhas e tecidos, agora depois de casada, recebera de presente uma moderna máquina de costura comprada na Casa Ipiranga de Álvaro Marques, além de ter sempre perto o seu bastidor (2 peças de madeira de tamanho diferente em formato de aro), onde colocava o tecido e fazer belos bordados para poder atender aos pedidos da clientela.

Meu pai, mesmo analfabeto funcional, era um homem empreendedor e de visão, resolveu vender uma criação de bode que tinha numa renda na bacia do Açude de Boqueirão e comprou dois modernos equipamentos: o primeiro foi um Rádio Phillips, o de olho mágico, que ainda hoje existe que atraia as pessoas para ouvir música e saber das noticias e foi nele que ouvi a da morte de Getúlio Vargas; mas o grande sucesso de sua bodega foi quando ele comprou, em Campina Grande, uma geladeira movida a querosene e em poucos dias já tirara o seu valor com a venda de refrescos gelados feitos por minha mãe. Foi um sucesso absoluto.

Fico às vezes, criando na memória, a festa do casamento, o nascimento dos filhos, as suas lutas para criá-los e educá-los, a manutenção da casa e o cotidiano dos 57 anos que passaram juntos. Nunca vi meu pai sequer alterar a voz para minha mãe e sempre observei o quanto um fazia feliz o outro.

As dores, os sofrimentos, as perdas, as ingratidões eram suplantadas pela grandeza, sublimação, doação, cumplicidade e acima de tudo pela vocação de fazer o outro feliz, tendo como base o amor.

Mas a grande arma e o sustentáculo dos dois eram a fé e a oração. Meu pai não era homem de rezar apenas um terço, mas um rosário, que sempre o conduziu no pescoço.

Lições, muitas lições todas costuradas pelas cordas dos corações de meus pais e escritas pela belíssima caligrafia de minha mãe.

 

Fonte: Artigo do Jornal Gazeta do Alto Piranhas do Professor José Antonio de Albuquerque

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